21º Dia - El Calafate -> Perito Moreno

Ainda em casa, quando estávamos planejando o trajeto de hoje, sabíamos que seria o dia mais difícil. 700 km de estrada, sendo 72 km de rípio. Este trecho de rípio é aquele que os quatro motociclistas de São Paulo, que encontramos no posto em Fitz Roy, contabilizaram sete tombos, levando oito horas para concluir o trecho. Já a panamenha, que também encontramos na estrada, nos relatou ter levado doze horas neste mesmo trecho, com uma queda. Relatos nada animadores, muito parecidos com o que vimos em nossas pesquisas, onde a maioria dizia passar ileso, mas poucos diziam ser tranquilo. Em El Calafate perguntamos para várias pessoas sobre as condições deste trecho de rípio, mas somente duas pessoas souberam nos informar com exatidão, o Roberto, garçom do restaurante La Marca e, o policial da gendarmeria no portal de saída da cidade. Os dois disseram que, apesar deste trecho da estrada não ser asfaltado, as máquinas estavam constantemente trabalhando na sua manutenção, o policial disse: é só ir devagar! Então tínhamos duas alternativas, dar a volta acessando a Ruta 3 e depois seguirmos para cidade de Perito Moreno, totalizando 1000 km ou, andar 700 km e ir pelo rípio. Enfim, resolvemos encarar o rípio, com base na informação dada pelo policial. Partimos com tempo bom e, em poucos minutos, já estávamos acessando a lendária Ruta 40. Seguimos em velocidade baixa, afim de economizar combustível, pois não sabíamos se haveria gasolina no próximo posto, em Três Lagos. O vento, companheiro de todos os dias, soprava moderadamente, dando condições de pilotar a moto e apreciar a paisagem única que a estrada oferece. Fizemos nossa primeira parada na Estância La Leona, fundada em 1894, por lá circula uma história interessante, dizem que Butch Cassidy, Sundance Kid e sua esposa Ethel Place, depois de roubarem o Banco de Londres e Tarapaca, em Rio Gallegos, teriam feito em sua fuga, uma “parada técnica” em La Leona. Verdade ou não, este é o melhor e único lugar que vai encontrar. Seguimos viagem e a quantidade de curvas só aumentou, e o vento também, que não soprava muito forte mas, dava sinais de que mais a frente, podia piorar. Olhando nos retrovisores, apareceram algumas motos e, como estávamos andando devagar, em poucos segundos elas passaram e, para nossa surpresa, lá estavam o Túlio e o Igor, que buzinaram, fizeram os cumprimentos e sumiram naquela imensidão. Como sabíamos que só tinha um posto antes do rípio, era quase certeza que encontraríamos os dois por lá, e foi o que aconteceu. Quando lá chegamos, eles estavam lá, abastecendo. Conversamos sobre o trecho de rípio que se aproximava, sobre suas condições, de como andar por lá com o vento, e todos decidiram de lá para frente, seguir juntos. Eles estavam com mais outros três motociclistas, todos do Rio Grande do Sul, com um carro de apoio, onde o motorista era médico. Agora, em seis motos, caímos na estrada de novo, e o vento só aumentava, voltamos a andar inclinados, para compensar a força com que ele soprava, eu ficava só imaginando como ia ser andar de moto neste vento, em cima das pedras, que se parecem mais com bolinhas de gude (assim são as pedras no rípio). Os pensamento duraram pouco tempo pois o asfalto acabou rapidinho, e não tinha mais volta, era a hora de aprender a andar no rípio por pura necessidade. Assim que entrei, a moto foi empurrada com muita facilidade, para direita da pista, achei que ia cair, e aí fiz o que se deve fazer nestas horas: nada! Deixei ela ir até parar. Assim que a moto parou, respirei fundo e, fui fazer o que deveria ter feito antes de entrar no rípio, recalibrar os pneus. A BMW sugere para terrenos off, 22 libras na dianteira e 30 libras na traseira, assim foi feito, tudo relativamente certo, partimos. Logo de início notei uma grande melhoria na pilotagem e a moto mudou. Era como se eu tivesse trocado de moto, ela passou a oferecer um certo controle. Como nunca tinha andado neste tipo de piso, o método de pilotagem que usei foi como se estivesse andando com ela na areia, achei que era o método que mais se encaixava para a situação. Já andei muito em estradas de areia e, se tem uma coisa que aprendi é: parou de acelerar, cai. Então primeiro mantive a moto andando o maior tempo possível, nos “trilhos”, rastro deixado pelos carros, isso foi imprescindível, porque bastava a borda do pneu entrar em contato com o monte de pedras que se amontoam entre os rastros deixados pelos carros, que a moto fica ingovernável. Passei por esta situação algumas vezes e, a única solução que encontrei, foi segurar o guidão com muita força, mantendo a moto em linha reta, até ela se afastar das pedras, isso era o que mais assustava. Também, em alguns trechos, a melhor opção foi seguir nas bordas da pista, quase não havia pedras. Outra coisa muito importante que fiz foi olhar sempre mais a frente do que estamos habituados, procurando antecipar a escolha, de qual caminho seguir. Depois, mantive uma aceleração constante, sem interferência dos freios, conduzindo a moto com as pernas, usando uma marcha abaixo da que usaria em condições normais. Tentei manter a frente da moto o maior tempo possível levantada, principalmente em trechos que a quantidade de pedras era maior. Desta forma, conseguimos passar o primeiro trecho de rípio, com certa segurança. Enfim, chegamos no asfalto, foi um alívio, conseguir passar ileso, pois não foi fácil, principalmente nos últimos metros que tinha muita pedra. Paramos assim que começou o asfalto, como o grupo havia ficado para trás, ficamos ali esperando, olhando para moto, totalmente empoeirada, no meio do nada. Enquanto esperávamos, várias motos passaram por nós, mas somente uma parou para conversar. Depois dos cumprimentos, a primeira pergunta que fiz foi: o rípio acabou? Ele disse: não! este asfalto permanece por mais três quilômetros, depois é rípio de novo. Nesta hora, todo alívio que estávamos sentindo foi para o beleléu! E, para piorar, o grupo não chegava, já estávamos parados ali cerca de 40 minutos e nada, a sensação de que algo tinha acontecido foi aumentando, voltar não seria fácil, o que nos deixou mais tranquilos era o fato de que o pessoal estava em grupo, com carro de apoio. Nestas horas começamos a pensar de tudo: será que pararam para fotografar? será que alguma moto quebrou? será que furou o pneu? será que alguém caiu? Fixamos o olhar na estrada e, ao longe, vimos, em meio a uma nuvem de poeira, um farol se aproximando, era um dos gaúchos acompanhado de um argentino que conhecemos lá na padaria La Union. Ele parou, levantou a viseira e disse: O Túlio caiu mas está tudo bem, ele já foi atendido pelo médico, eles estão dando um tempo pra ele se recuperar, nós vamos seguir, até! Infelizmente não era a notícia que queríamos ouvir mas, pelo tempo que havia passado, o que estávamos imaginando realmente tinha acontecido. Não demorou muito e eles chegaram, o Túlio continuava pilotando, sentia muita dor, mas parecia resistir, a moto estava remendada com silver tape, sofreu poucos danos, de resto, todos estavam bem. Segundo ele, ao tentar mudar de faixa, a moto entrou no monte de pedras que se amontoam no meio da pista, começou a jogar de um lado para o outro e caiu por cima dele. Não tínhamos o que fazer, subimos nas motos e continuamos a jornada, logo a frente o rípio voltou, mas felizmente este segundo trecho estava bem melhor, seguimos todos juntos, até que definitivamente chegou o asfalto. O Túlio e o Igor, junto com os gaúchos, seguiram em frente, nós paramos para recalibrar os pneus e comemorar a travessia, chegamos até a beijar o asfalto!!! Poucos quilômetros depois, chegamos em Gobernador Gregores e seguimos direto para o posto. Como era de se esperar, nossos amigos já estavam por lá, conversamos um pouco, vimos se o Túlio estava bem, agradecemos a todos, e eles partiram. Foram vários dias em que o destino fez cruzar nossos caminhos, mas infelizmente, foi a última vez que vimos nossos parceiros eventuais, valeu galera! Estava muito calor, então tiramos todas as roupas de inverno, comemos umas empanadas e voltamos para a estrada, apesar do pior já ter passado, nosso destino final ainda estava longe. O clima estava perfeito, 24 graus, temperatura que não sentíamos há dias, a máxima não tinha passado de 15 graus mas, infelizmente, não durou muito, meia hora depois lá estávamos, parados no acostamento, vestindo tudo de novo, agora fazia 11 graus. Fizemos a parada estratégica, para abastecer, no lendário posto em Bajo Caracoles, não tem nada, somente duas bombas no meio da rua, o máximo que você vai encontrar é um boteco de caminhoneiro, onde o banheiro é unissex. Uma hora e meia depois, chegamos na cidade de Perito Moreno, sujos e cansados, mas felizes por terminar este dia, sãos e salvos!